28 de agosto de 2021 Luciano Marin

O mundo vai ser um museu de tatuagem.

 

Possivelmente você já ouviu alguém dizer que não poderia ter tatuagens em determinadas partes mais expostas do corpo, por conta da profissão ou meio que habita. E se você já sentiu isso na pele, você provavelmente evitou colocar uma tattoo na sua.

Muito mais aceita hoje em dia, a tatuagem já foi considerada sinal de honra e respeito em algumas tribos e marginalizada com a colonização européia nas américas e no mundo. Os motivos e interpretações sempre variaram e continuam recriando significados e desmistificando culturas mundo afora. O caminho feito para que chegássemos até aqui com essa visão, é muito particular e acompanha uma série de eventos e encontros conflituosos entre culturas, como você pode saber mais neste post.

No entanto, há certa inconsistência na narrativa que acredita que um Deus criou tudo, mas que ao mesmo tempo aponta para uma parte do tudo e classifica como não pertencente a este vasto reino. Realmente, os demônios talvez estejam ganhando território então, ultimamente. Demonizando ou endeusando, a reflexão vai mais adiante. E a revolução também.

Para isso, primeiro proponho uma viagenzinha reflexiva rápida.

Imagine agora que seres de um futuro muito distante, vindos de outro lugar, chegassem no planeta Terra já inabitado. Aquele visual desértico tão bem conceituado em filmes de ficção, é realidade. As ruínas, esculturas e monumentos antigos encontrados não são pirâmides, não são esculturas gregas e não há nenhum coliseu em vista para imaginar como foi a sociedade. 

No lugar disso, os seres encontram restos de parques temáticos que colocam o personagem de um rato em altares. Existe a humorada reflexão na internet de que se aliens chegassem nas ruínas da Disney, talvez acreditassem que seres humanos cultuavam ratos como deuses. Os restos das modernas instalações de arte e das representações do ser humano de hoje, no futuro, poderiam ter quais interpretações?

 

Com a democratização, no sentido de acesso, e descriminalização da tatuagem, como será que estamos redefinindo, e até mesmo, deixando de lado a linearidade de seguir um único padrão de beleza? Com tantos movimentos paralelos, fluidez de conceitos e liberdade visual, mesmo que digamos que haja um padrão de beleza ainda muito forte permeando o inconsciente coletivo, há de se concordar que nunca houve antes tanta variação e diferença a que podemos atribuir o conceito de belo.

Não é a palavra nem o conceito que sofre mutação, somos nós.

E que bela mutação! Hoje incluímos cores, tamanhos, marcas, cicatrizes, tatuagens e toda forma que conseguimos assimilar, em nossas representações do ser humano. A figura que vai ser encontrada sobre nós mais tarde é, hoje, muito mais rica.

Mas e se houvesse uma fusão de tempos, o que encontraríamos sobre a humanidade em nossas viagens super culturais pelas ruas do mundo e em nossas visitas a museus? 

De certa forma, podemos dizer que essa fusão aconteceu. Vamos partir para a segunda viagem, a viagem da revolução. A exposição do italiano Fabio Viale vem para dar um soco na cara da sociedade mais conservadora em plena praça pública em um dos países mais católicos do mundo. A cidade toscana de Pietrasanta, na Itália, recebeu uma exposição pública com as obras monumentais do conhecido artista e escultor de mármore. A convite do prefeito, as esculturas, todas tatuadas, foram dispostas pelos espaços turísticos da cidade, como a Piazza del Duomo e a Igreja de Sant’Agostino, do século 14. O objetivo era criar um diálogo com o tecido histórico da cidade.

 

No país que reconhecemos como palco de conhecimento e cultura, a ruptura começa no convite do prefeito. Seguido pela escolha de se fazer uma exposição pública em locais religiosos e turísticos, o contraste fica ainda mais evidente ao ver os corpos considerados de beleza clássica, cobertos por tatuagens, uma vez que já foram tão criminalizadas.

Ousado? Bem, talvez Michelangelo também tenha sido considerado ousadíssimo em algum momento com suas esculturas nuas.

A exposição batizada de “Truly”, expressa a poesia do deslocamento e existe para criar uma ruptura, uma quebra no convencional. Uma característica do trabalho de Fabio é que as esculturas não aparentam ser pintadas apenas na superfície, mas sim como se a tinta estivesse infiltrada no mármore de forma muito similar à forma que as tattoos penetram na pele humana. Este trabalho vem sendo desenvolvido com processos e ferramentas para refinar os resultados de forma única a cada peça, contando inclusive com a colaboração de um químico para entender materiais e reações.

É um encontro entre vida e morte, entre o sagrado e o profano. É uma relação que cria energia por trazer a pré concepção do que é a beleza clássica, unida à dureza normalmente atrelada ao visual da tatuagem.

É com arte, tatuagem, coragem e prefeitos assim que começamos a nos apropriar de nossos próprios corpos, antes tão perdidos e tomados pelos véus do pecado e do peso social, este ainda tão forte que muitas vezes não nos permite tatuar uma florzinha no pulso e ir trabalhar.

Assim como ousou Fabio Viale, eu ouso dizer que este projeto é de grande revolução necessária em prol de atualizar os preconceitos que ainda temos não só em relação ao visual, às escolhas de tatuagens e aos corpos. É um passo a caminho do entendimento de que o que é clássico e o que é beleza, e beleza clássica. São conceitos tão mutáveis como esculturas milenares que podem durar gerações. 

Às pessoas do futuro, aliens, e a quem restar vivo: aproveitem este museu de grandes novidades que se constrói agora.

Ana Clara Schüler

Ana é formada em Publicidade e Propaganda, trabalhou em diversas áreas de criação publicitária nos últimos anos, principalmente no setor da moda. Cursou um ano do curso bacharel de comunicação e artes da Cologne Business School, na Alemanha e na volta pro Brasil fez parte do time de marketing, onde coordenou todo conteúdo orgânico, da premiada startup que foi reconhecida como uma das empresas mais conscientes do país pelo Movimento do Capitalismo Consciente, além de ser case do facebook e instagram: a startup Dobra. Os papéis sempre foram mutáveis: copywriter, content creator, designer gráfico, social media, redatora mas também escritora, gestora, sonhadora e viajante. E principalmente: comunicadora bons projetos. Fascinada pelo mundo, por conhecer culturas e pessoas. Hoje é freelancer, wannabe nômade e amadora profissional na poesia.

 

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